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O Valor Da Vida

Freud E Seu Cão - Arte Digital: Henrique Vieira Filho

O teor deste artigo foi adaptado da entrevista concedida por Sigmund Freud ao jornalista americano George Sylvester Viereck, em 1926, que integra a edição “Glimpses of the Great” (“Vislumbres Sublimes”, em tradução livre…), de 1930.

Também fora publicada integralmente no “Journal of Psychology” (“Jornal de Psicologia), de Nova York, em uma edição especial, nominada “Psychoanalysis and the Future” (A Psicanálise E O Futuro) e, no Brasil, no livro “A Arte da Entrevista”, de Fabio Altman (Editora Scritta, SP, 1995).

Esta entrevista foi considerada perdida por décadas, sendo republicado em 1976, no boletim da “Sigmund Freud Haus” (Casa/Museu Sigmund Freud).

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Freud E Seu Cão - Arte Digital: Henrique Vieira Filho

O teor deste artigo foi adaptado da entrevista concedida por Sigmund Freud ao jornalista americano George Sylvester Viereck, em 1926, que integra a edição “Glimpses of the Great” (“Vislumbres Sublimes”, em tradução livre…), de 1930.

Também fora publicada integralmente no “Journal of Psychology” (“Jornal de Psicologia), de Nova York, em uma edição especial, nominada “Psychoanalysis and the Future” (A Psicanálise E O Futuro) e, no Brasil, no livro “A Arte da Entrevista”, de Fabio Altman (Editora Scritta, SP, 1995).

Esta entrevista foi considerada perdida por décadas, sendo republicado em 1976, no boletim da “Sigmund Freud Haus” (Casa/Museu Sigmund Freud).

 

Titulado como “O Valor Da Vida”, neste diálogo, constatamos o Pai da Psicanálise já no auge da vida, humano, sofrido pela debilidade física, porém com a mente afiada como sempre e mostrando um perfil seu pouco divulgado: o de um homem acessível, até citando poemas e sua predileção por animais, além de defender a prática da Psicanálise por “leigos”, ou seja, pelos profissionais sem formação médica.

Freud

– Setenta anos ensinaram-me a aceitar a vida com serena humildade.

George Sylvester ViereckQuem diz isso é o professor Sigmund Freud, o grande explorador da alma. O cenário da nossa conversa foi uma casa de verão no Semmering, uma montanha nos Alpes austríacos.

Eu tinha visto o pai da psicanálise pela última vez em sua casa modesta na capital Austríaca. Os poucos anos entre minha última visita e a atual multiplicaram as rugas na sua fronte. Intensificaram a sua palidez de sábio. Sua face estava tensa, como se sentisse dor. Sua mente estava alerta, seu espírito, firme, sua cortesia, impecável como sempre, mas um ligeiro impedimento da fala me assustou.

Parece que um tumor maligno no maxilar superior necessitou ser operado. Desde então Freud usa uma prótese, para ele causa de constante irritação.

Freud

 

– Detesto o meu maxilar mecânico, porque a luta com o aparelho me consome tanta energia preciosa. Mas prefiro um maxilar mecânico a maxilar nenhum. Ainda prefiro a existência à extinção. Talvez os deuses sejam gentis conosco, tornando a vida mais desagradável à medida que envelhecemos. Por fim, a morte nos parece menos intolerável do que o fardo que carregamos.

 

George Sylvester Viereck

Freud se recusa a admitir que o destino lhe reserva algo especial…

 

 

Freud

Por que, deveria eu, esperar um tratamento especial ? A velhice, com suas agruras, chega para todos. Atinge uma pessoa aqui, outra ali. Seus golpes sempre alcançam um ponto vital.

 

A vitória final pertence ao Verme Conquistador:

 

“Apagam-se, apagam-se as luzes – todas!

E sobre cada forma trêmula

Cai a cortina, um pano mortuário

Com um ímpeto de tempestade

E os anjos, pálidos e lânguidos,

Erguendo-se, desvelando-se, afirmam

Que a peça é a tragédia “Homem”

E o seu herói, o Verme Conquistador.”

Henrique Vieira Filho

Observação: Freud citou Edgar Allan Poe – “The Conqueror Worm” (O Verme Vencedor).

 

Eu não me rebelo contra a ordem universal. Afinal, vivi mais de setenta anos. Tive o bastante para comer. Apreciei muitas coisas – a companhia de minha mulher, meus filhos, o pôr-do-sol. Observei as plantas crescerem na primavera. De vez em quando tive uma mão amiga para apertar. Vez ou outra encontrei um ser humano que quase me compreendeu. Que mais posso querer?”

George Sylvester Viereck

– O senhor teve a fama – disse eu. – Sua obra influi na literatura de cada país. O homem olha a vida e a si mesmo com outros olhos, por causa do senhor. E recentemente, no seu septuagésimo aniversário, o mundo se uniu para homenagea-lo – com exceção da sua própria universidade!

 

 

 

Freud

 

 

– Se a Universidade de Viena me demonstrasse reconhecimento, eu ficaria embaraçado. Não há razão porque deveriam aceita a mim e a minha obra porque tenho setenta anos. Eu não atribuo importância insensata aos decimais. A fama chega apenas quando morremos e, francamente, o que vem depois não me interessa. Não aspiro à glória póstuma. Minha modéstia não é virtude.

 

George Sylvester Viereck

– Não significa nada o fato de que o seu nome vai viver?

 

 

 

Freud

 

 

– Absolutamente nada, mesmo que ele viva, o que não é certo. Estou bem mais preocupado com o destino de meus filhos. Espero que a vida deles não venha a ser difícil. Não posso ajudá-los muito. A guerra praticamente liquidou com minhas posses, o que havia poupado durante a vida. Mas posso me dar por satisfeito. O trabalho é minha fortuna.

 

George Sylvester Viereck

Estávamos subindo e descendo uma pequena trilha no jardim da casa. Freud acariciou ternamente um arbusto que floria.

 

 

 

Freud

 

 

– Estou muito mais interessado neste botão do que no que possa acontecer depois de morto.

 

George Sylvester Viereck

– Então o senhor é, afinal de contas, um profundo pessimista?

 

 

 

Freud

 

 

– Não, não sou. Não permito que nenhuma reflexão filosófica estrague a minha fruição das coisas simples da vida.

 

George Sylvester Viereck

– O senhor acredita na persistência da personalidade após a morte, de alguma forma que seja?

 

 

 

Freud

 

 

 Não penso nisso. Tudo que vive perece. Porque deveria o homem constituir uma exceção?

 

George Sylvester Viereck

– Gostaria de retornar em alguma forma, de ser resgatado do pó? O senhor não tem, em outras palavras, desejo de imortalidade?

 

 

 

Freud

– Sinceramente, não. Se reconhecemos os motivos egoístas por trás de toda conduta humana, não temos o mínimo desejo de voltar. A vida, movendo-se num círculo, seria ainda a mesma. Além disso, mesmo se o eterno retorno das coisas, para usar a expressão de Nietzsche, nos dotasse novamente do nosso invólucro carnal, para que serviria isso, sem memória? Não haveria elo entre passado e futuro. Pelo que me toca, estou perfeitamente satisfeito em saber que o eterno aborrecimento de viver finalmente passará. Nossa vida é necessariamente uma série de compromissos, uma luta interminável entre o ego e seu ambiente. O desejo de prolongar a vida excessivamente me parece absurdo.

 

George Sylvester Viereck

– O senhor desaprova as tentativas de seu colega Steinach, de prolongar o ciclo da existência humana?

 

 

 

Freud

– Steinach não tenta prolongar a vida. Ele apenas combate a velhice. Recorrendo ao reservatório de energia em nosso próprio corpo, ele ajuda os tecidos a resistir à doença. A operação de Steinach detém acidentes biológicos molestos, como o câncer em estágios iniciais. Torna a vida mais viável: não a torna mais digna de ser vivida. Não há motivo para desejar viver mais longamente. Mas há todo motivo para desejar viver o menor desgosto possível. Eu sou razoavelmente feliz, porque sou grato pela ausência de dor e pelos pequenos prazeres da vida, pelos meus filhos e por minhas flores.

 

 

George Sylvester Viereck

– Bernard Shaw sustenta que vivemos muito pouco. Ele acha que o homem pode prolongar a vida, se assim desejar, levando sua vontade a atuar sobre as forças da evolução. Ele crê que a humanidade pode reaver a longevidade dos patriarcas.

 

 

Freud

– É possível que a morte em si não seja uma necessidade biológica. Talvez morramos porque desejamos morrer. Assim como amor e ódio por alguém habitam nosso peito ao mesmo tempo, assim também toda vida conjuga o desejo de manter-se e um anseio pela própria destruição. Do mesmo modo como um pequeno elástico esticado tende a assumir a forma original, assim também toda matéria viva, consciente ou inconscientemente, busca readquirir a completa e absoluta inércia da existência inorgânica. O impulso de vida e o impulso de morte (“life-wish and death-wish”) habitam lado a lado dentro de nós.

 

– A morte é a companheira do amor. Juntos eles regem o mundo. Isso é o que diz meu livro Além do Princípio do Prazer. No começo a psicanálise supôs que o amor tinha toda a importância. Agora sabemos que a Morte é igualmente importante.

“Biologicamente , todo ser vivo, não importa quão intensamente a vida queime dentro dele, anseia pelo Nirvana, pela cessação da “febre chamada viver”, anseia pelo seio de Abraão. O desejo pode ser encoberto por digressões. Não obstante, o objetivo derradeiro da vida é a sua própria extinção.”

George Sylvester Viereck

 

– Isso é a filosofia da autodestruição . Ela justifica o auto-extermínio. Levaria logicamente ao suicídio universal imaginado por Eduard von Hattmann.

 

 

 

Freud

– A humanidade não escolhe o suicídio, porque a lei do seu ser desaprova a via direta para o seu fim. A vida tem que completar o seu ciclo de existência. Em todo ser normal, o impulso de vida é forte o bastante para contrabalançar o impulso da morte, embora no final esta resulte mais forte. Podemos entreter a fantasia de que a Morte nos vem por nossa própria vontade. Seria possível que pudéssemos vencer a Morte, não fosse por aliado dentro de nós.

 

“Neste sentido” , acrescentou Freud com um sorriso, “pode ser justificado dizer que toda morte é suicídio disfarçado”.

George Sylvester Viereck

Estava ficando frio no jardim. Prosseguimos a conversa no gabinete. Vi uma pilha de manuscritos sobre a mesa, com a caligrafia clara de Freud.

– Em que o senhor está trabalhando ?

 

 

Freud

 

 

– Estou escrevendo uma defesa da análise leiga, da psicanálise praticada por leigos. Os doutores querem tornar a análise ilegal para os não – médicos. A História, essa velha plagiadora, repete-se após cada descoberta. Os doutores combatem cada nova verdade no começo; depois procuram monopolizá-la.

 

George Sylvester Viereck

– O senhor teve apoio dos leigos ?

 

 

 

Freud

 

 

– Alguns dos meus melhores discípulos são leigos.

 

George Sylvester Viereck

– O senhor está praticando muito a psicanálise?

 

 

 

Freud

 

 

– Certamente. Nesse momento estou trabalhando num caso muito difícil, tentando desatar os conflitos psíquicos de um interessante novo Cliente. Minha filha também é psicanalista, como você vê …

 

George Sylvester Viereck

Nesse ponto apareceu Anna Freud acompanhada por seu Cliente, um garoto de onze anos, de feições inconfundivelmente anglo-saxãs.

– O senhor já analisou a si mesmo?

 

 

Freud

 

 

– Certamente . O psicanalista deve constantemente analisar a si mesmo. Analisando a nós mesmos, ficamos mais capacitados a analisar os outros. O psicanalista é como o bode expiatório dos hebreus. Os outros descarregam seus pecados sobre ele. Ele deve praticar sua arte à perfeição, para desvencilhar-se do fardo jogado sobre ele.

 

George Sylvester Viereck

– Minha impressão é de que a psicanálise desperta em todos os que a praticam o espírito da caridade cristã. Nada existe na vida humana que a psicanálise não possa nos fazer compreender. “Tout comprendre, c’ est tout pardonner”.

.

 

 

Freud

 

 

– Pelo contrário! Tudo compreender não é tudo perdoar. A psicanálise nos ensina não apenas o que podemos suportar, mas também o que devemos evitar. Ela nos diz o que deve ser eliminado. A tolerância para com o mal não é de maneira alguma um colorário do conhecimento.
 

 

 

Henrique Vieira Filho

 

 

Observação: Eles se referem ao ditado popular francês “tout comprendre, c’est tout pardonner” (a plena compreensão leva ao pleno perdão). A autoria é desconhecida e a expressão é utilizada internacionalmente em vários ramos do saber, sendo uma das citações mais conhecidas, a de Piero Calamandrei (1889 – 1956), jornalista, jurista, político e docente universitário italiano, em sua obra “Eles, Os Juízes, Vistos Por Um Advogado”:  Mas se o juiz compreendesse tudo, talvez não pudesse mais julgar: “tout comprendre, c’est tout pardonner“.

George Sylvester Viereck

Freud havia esbravejado, suas feições assumiram a severidade de um profeta hebreu… Compreendi subitamente porque Freud entrara em litígio com os seguidores que o haviam abandonado; ele não perdoa as dissensões do caminho reto da ortodoxia psicanalítica. Seu senso do que é direito é herança de seus ancestrais. Uma herança de que ele se orgulha como se orgulha de sua raça.

 

 

Freud

 

 

– Minha língua é o alemão. Minha cultura, minhas realizações são alemãs. Eu me considerava intelectualmente alemão, até que notei o crescimento do preconceito anti-semita na Alemanha e na Áustria alemã. Desde então prefiro denominar – me judeu.

 

George Sylvester Viereck

Fiquei algo desapontado com essa observação. Parecia – me que o espírito de Freud deveria habitar as alturas, além de qualquer preconceito de raça, que deveria ser imune a qualquer rancor pessoal. No entanto, precisamente a sua indignação, a sua honesta ira, tornavam no mais atraente como ser humano. Aquiles seria intolerável, não fosse por seu calcanhar !

– Fico contente, “Herr” Professor, de que também o senhor tenha seus complexos, de que também o senhor demonstre que é um mortal.

 

Freud

 

 

– Nossos complexos são a fonte de nossa franqueza; mas com freqüência são também a fonte de nossa força.

 

George Sylvester Viereck

 

– Imagino quais seriam os seus complexos !

 

 

Freud

 

 

– Uma análise séria – respondeu Freud – dura ao menos um ano. Pode durar mesmo dois ou três anos. Você está dedicando muitos anos de sua vida à “caça aos leões “. Você procura sempre as pessoas de destaque para sua geração : Roosevelt, o Kaiser, Hindenburg, Briand, Foch, Joffe, Gerg Brandes, Gerhart Hauptmann e George Bernard Shaw …

 

George Sylvester Viereck

– É parte do meu trabalho.

 

 

Freud

 

 

– Mas é também sua preferência. O grande homem é um símbolo. A sua busca é a busca de seu coração. Você está procurando o grande homem para tomar o lugar de seu pai. É parte de seu “complexo do pai”.

 

George Sylvester ViereckNeguei veementemente a afirmação de Freud. No entanto, refletindo sobre isso, parece que pode haver uma verdade, ainda não suspeita por mim, em sua sugestão casual. Pode ser a mesma atração que me levou a ele.

– Gostaria de poder ficar aqui o bastante para vislumbrar meu coração através dos seus olhos. Talvez, como a Medusa, eu morresse de pavor ao ver minha própria imagem ! Entretanto, receio ser muito informado sobre a psicanálise. Eu freqüentemente anteciparia, ou tentaria antecipar, suas intenções.

 

 

Freud

 

 

– A inteligência, em um Cliente, não é um empecilho. Pelo contrário, às vezes facilita o trabalho.

 

George Sylvester Viereck

Nesse ponto, o mestre da psicanálise diverge de muitos dos seus seguidores, que não gostam de excessiva segurança do Cliente sob seu escrutínio.

– Às vezes, imagino se não seríamos mais felizes caso soubéssemos menos dos processos que dão forma a nossos pensamentos e emoções. A psicanálise rouba à vida seu último encanto, ao relacionar cada sentimento ao seu grupo original de complexos. Não nos tornamos mais alegres descobrindo que nós todos abrigamos em nossos corações o selvagem, o criminoso e o animal.

 

 

Freud

 

 

 Que objeção pode haver contra os animais ? Eu prefiro a companhia deles à companhia humana.

 

George Sylvester Viereck

– Por quê ?

 

 

 

Freud

 

 

– Porque são tão mais simples! Não sofrem de uma personalidade dividida, da desintegração do ego, que resulta da tentativa do homem de adaptar-se a padrões de civilização demasiado elevados para o seu mecanismo intelectual e psíquico. O selvagem, como o animal, é cruel, mas não tem a maldade do homem civilizado. A maldade é a vingança do homem contra a sociedade, pelas restrições que ela impõe. As mais desagradáveis características do homem são geradas por esse ajustamento precário a uma civilização complicada. É o resultado do conflito entre nossos instintos e nossa cultura. Muito mais agradáveis são as emoções simples e diretas de um cão, ao balançar a cauda, ou ao latir expressando seu desprazer. As emoções do cão lembram-nos os heróis antigos, como Aquiles e Heitor.

 

George Sylvester Viereck

– Meu cachorro é um doberman pinscher, chamado Ajax.

Freud sorriu.

 

 

Freud

 

 

– Fico contente de que não possa ler. Ele certamente seria um membro menos querido da casa, se pudesse latir sua opinião sobre os traumas psíquicos e complexos de Édipo!

 

George Sylvester Viereck

– Mesmo o senhor, professor, acha a existência complexa demais. No entanto parece que o senhor é em parte responsável pelas complexidades da civilização moderna. Antes que o senhor inventasse a psicanálise, não sabíamos que nossa personalidade é dominada por uma hoste beligerante de complexos muito questionáveis. A psicanálise fez da vida um quebra-cabeças complicado.

 

 

Freud

 

 

– De maneira alguma ! A psicanálise torna a vida mais simples. Adquirimos uma nova síntese depois da análise. A psicanálise reordena um emaranhado de impulsos dispersos, procura enrolá-los em torno do seu carretel. Ou, modificando a metáfora, ela fornece o fio que conduz a pessoa para fora do labirinto do seu inconsciente.

 

George Sylvester Viereck

 

– Ao menos na superfície, porém, a vida humana nunca foi mais complexa. E a cada dia alguma nova idéia proposta pelo senhor ou por seus discípulos torna o problema da conduta humana mais intrigante e mais contraditório.

 

 

Freud

– A psicanálise, pelo menos, jamais fecha a porta a uma nova verdade.

 

 

George Sylvester Viereck

Alguns dos seus discípulos, mais ortodoxos do que o senhor, apegam-se a cada pronunciamento que sai da sua boca.

 

 

 

Freud

– A vida muda. A psicanálise também muda. Estamos apenas no começo de uma nova ciência.

 

 

George Sylvester Viereck

– A estrutura científica que o senhor ergueu me parece ser muito elaborada. Seus fundamentos, a teoria do “deslocamento”, da “sexualidade infantil”, do “simbolismo dos sonhos” etc. . , parecem permanentes.

 

 

 

Freud

 

– Eu repito, porém, que nós estamos apenas no início. Sou apenas um iniciador. Consegui desencavar monumentos soterrados nos substratos da mente. Mas ali onde eu descobri alguns templos, outros poderão descobrir continentes.

 

 

George Sylvester Viereck

– O senhor ainda coloca ênfase sobretudo no sexo ?

 

 

 

Freud

 

– Respondo com as palavras do seu próprio poeta, Walt Whitman : “Mas tudo faltaria, se faltasse o sexo” (“Yet all were lacring, if Sex were lacring” ). Entretanto, já lhe expliquei que agora coloco ênfase quase igual naquilo que está “além” do prazer, a morte, a negação da vida. Esse desejo explica por que alguns homens amam a dor, como um passo para o aniquilamento !

 

Explica por que todos buscam o descanso, por que os poetas agradecem a…

“Quaisquer deuses que existam

Que vida nenhuma viva para sempre

Que os mortos jamais se levantem

E também o rio mais cansado

Desague tranquilo no mar”

 

Henrique Vieira FilhoObservação: Freud cita “O Jardim de Proserpina”, de Algernon Charles Swinburne

 

 

George Sylvester Viereck

– Shaw, como o senhor, não deseja viver para sempre, mas, ao contrário do senhor, ele considera o sexo desinteressante.

 

 

 

Freud

– Shaw não compreende o sexo. Ele não tem a mais remota concepção do amor. Não há um verdadeiro caso amoroso em qualquer de suas peças. Ele ridiculariza o amor de Júlio césar, talvez a maior paixão da história. Deliberadamente, talvez maliciosamente, ele despe Cleópatra de toda a grandeza, reduzindo – a uma insignificante garota. A razão para a estranha atitude de Shaw diante do amor, para sua negação do móvel de todas as coisas humanas, que tira de suas peças o apelo universal, apesar do seu enorme alcance intelectual, é inerente à sua psicologia. Em um de seus prefácios, ele mesmo enfatiza o traço ascético do seu temperamento. Eu posso Ter errado em muitas coisas, mas estou certo de que não errei ao enfatizar a importância do instinto sexual. Por ser tão forte, ele se choca sempre com as convenções e salvaguardas da civilização. A humanidade, em uma espécie de autodefesa, procura negar sua importância. Se você arranhar um russo, diz o provérbio, aparece o tártaro sob a pele . Analise qualquer emoção humana, não importa quão distante esteja da esfera da sexualidade, e você certamente encontrará esse impulso primordial, ao qual a própria vida deve a perpetuação.

 

George Sylvester Viereck

– O senhor sem dúvida foi bem sucedido em transmitir esse ponto de vista aos escritores modernos. A psicanálise deu novas intensidades à literatura.

 

 

 

Freud

– Também recebeu muito da literatura e da filosofia. Nietzsche foi um dos primeiros psicanalista. É surpreendente até que ponto sua intuição prenuncia as nossa descobertas. Ninguém se apercebeu mais profundamente dos motivos duais da conduta humana e da insistência do princípio do prazer em predominar indefinidamente.

 

O seu Zaratustra diz :

“A dor

Grita : vai !

Mas o prazer quer eternidade

Pura, profunda eternidade”.

A psicanálise pode ser menos amplamente discutida na Áustria e na Alemanha que nos Estados Unidos, a sua influência na literatura é intensa, porém, Thomas Mann e Hugo von Hofmannsthal muito devem a nós. Schnitzler percorre uma via que é, em larga medida, paralela ao meu próprio desenvolvimento. Ele expressa poeticamente o que eu tento comunicar cientificamente. Mas o Dr. Schnitzler não é apenas um poeta, é também um cientista.

George Sylvester Viereck

O senhor não é apenas um cientista, mas também um poeta. A literatura americana está impregnada da psicanálise. Rupertt Harvey O Higgins e outros fazem – se de seus intérpretes. É quase impossível abrir um novo romance sem encontrar referência à psicanálise. Entre os dramaturgos, Eugene O “Neill e Sydney Howard têm profunda dívida para com o senhor .”The Silver Cord”, por exemplo, é simplesmente uma dramatização do complexo de Édipo.

 

Henrique Vieira FilhoObservação: “The Silver Cord” (O Cordão de Prata) foi lançado também como filme, em 1933. Trata da história de um filho que apresenta a noiva à mãe dominadora. 

 

 

 

Freud

– Eu sei e aprecio o cumprimento que há nessa constatação. Mas tenho receio da minha popularidade nos Estados Unidos. O interesse americano pela psicanálise não se aprofunda. A popularização leva à aceitação superficial sem estudo sério. As pessoas apenas repetem as frases que aprendem no teatro ou na imprensa. Pensam compreender algo da psicanálise, tal como ocorre nos centros Europeus. A América foi o primeiro país a reconhecer-me oficialmente. A Clark University concedeu-me um diploma honorário quando eu era ignorado na Europa. Entretanto, a América fez poucas contribuições originais à psicanálise. Os americanos são divulgadores inteligentes, raramente são pensadores criativos. Os médicos, nos Estados Unidos, e ocasionalmente também na Europa,, procuram monopolizar para si a psicanálise. Mas seria um perigo para a psicanálise deixá-la exclusivamente nas mão de um médico. Pois uma formação estritamente médica é com freqüência um empecilho para o psicanalista. É sempre um empecilho, quando certas concepções científicas ficam arraigadas no cérebro do estudioso.

 

 
George Sylvester ViereckFreud tem que dizer a verdade a qualquer preço! Ele não pode obrigar a si mesmo a agradar a América, onde está a maioria dos seus admiradores.

Apesar da sua integridade, Freud é a urbanidade em pessoa. Ele ouve pacientemente cada intervenção, não procurando jamais intimidar o entrevistador. Raro é o visitante que deixa a sua presença sem algum presente, algum sinal de hospitalidade!

Havia escurecido. Era tempo de eu tomar o trem de volta à cidade que uma vez abrigara o esplendor imperial dos Habsburgos.

Acompanhado da esposa e da filha, Freud desceu os degraus que levam do seu refúgio na montanha à rua, para me ver partir. Ele me pareceu cansado e triste ao dar o seu adeus.

 

Freud

 

  – Não me faça parecer um pessimista. Eu não tenho desprezo pelo mundo. Expressar desdém pelo mundo é apenas outra forma de cortejá-lo, de ganhar audiência e aplauso. Não, eu não sou um pessimista, não enquanto tiver meus filhos, minha mulher e minhas flores! Não sou infeliz – ao menos não mais infeliz que os outros.

 

George Sylvester Viereck

O apito do meu trem soou na noite. O automóvel me conduziu rapidamente para a estação. Aos poucos, o vulto ligeiramente curvado e a cabeça grisalha de Sigmund Freud desapareceram na distância ..

 

Henrique Vieira Filho

Henrique Vieira Filho – Terapeuta HolísticoCRT 21001, é autor de diversos livros da profissão, ministra aulas na CEATH – Comunidade de Estudos Avançados em Terapia Holística.

contato@sinte.com.br

(11) 3171-1913

 

 

Henrique Vieira Filho Administrator

Henrique Vieira Filho é o criador da Holopuntura, que é a quintessência da união das técnicas da Acupuntura, Auriculoterapia e Reflexoterapia.

Para saber mais sobre o tema:

Henrique Vieira Filho é artista visual, agente cultural (SNIIC: AG-207516), produtor cultural no Ponto de Cultura “Sociedade Das Artes” (SNIIC: SP-21915), diretor de arte, produtor audiovisual (ANCINE: 49361), escritor, jornalista (MTB 080467/SP), educador físico (CREF 040237-P/SP) e terapeuta holístico (CRT 21001).

http://lattes.cnpq.br/2146716426132854

https://orcid.org/0000-0002-6719-2559

About Post Author

Henrique Vieira Filho

Henrique Vieira Filho é artista plástico, escritor, jornalista e terapeuta holístico. Nas artes, é autodidata e seu estilo poderia ser classificado como surrealismo figurativo.Por mais de 25 anos, esteve à frente da organização da Terapia Holística no Brasil, sendo presença constante nos meios de comunicação. Elaborou as normas técnicas e éticas da profissão, além de ser autor de dezenas de livros e centenas de artigos, que são adotados como referência em vários países.
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